Quando a tontura não é labirintite

Quando a tontura não é labirintite
Quando a tontura não é labirintite

Quando a tontura não é labirintite

Tontura, de forma geral, é uma queixa bastante frequente nos ambulatórios de Clínica Médica, Otorrinolaringologia e Neurologia Geral. Estima-se que cerca de 8,5% da população irá apresentar ao menos um episódio de tontura ao longo da vida. Destes, cerca de 27% apresentarão tontura de forma incapacitante.

Muito comum é a associação dos sintomas, pelo público, com desordens do labirinto ou aparelho vestibular, levando à famosa hipótese e pergunta do “será labirintite?”. Entretanto, a queixa de tontura, em si, carrega uma série de nuances, desde a forma como é percebida pelo paciente, até sua representação clínica objetiva, por meio de alterações ao exame físico e psíquico, levando a vários possíveis diagnósticos diferenciais, sem relação muitas vezes com problemas no labirinto.

Neste post, falaremos um pouco a respeito de algumas das principais causas de tontura e da importância da avaliação e diagnósticos acurados para melhor tratamento.
Primeiramente, é importante compreender a diferença entre tontura e vertigem.

Situações distintas que podem causar muita confusão e levar a percepções e diagnósticos equivocados. Tontura, de forma simplificada, é uma sensação de desequilíbrio corporal, de instabilidade, que pode ser rotatória e não necessariamente acompanhada de enjôos.

Já vertigem, é uma sensação de tontura em que tudo está girando, com falsa ilusão de movimento, parecendo que o ambiente está se movendo ao seu redor; quase sempre se acompanhada de enjoos, sudorese e muitas vezes vômitos.

Ambas as situações podem estar ligadas a desordens do labirinto, agudas ou crônicas, frequentemente benignas. Porém, por serem sintomas, e apresentarem uma causa em particular, conforme já dito, demandam investigação apropriada, a fim de que se estabeleçam outras hipóteses para suas causas.

 

Migrânea Vestibular

Migrânea vestibular ou enxaqueca vestibular, é uma forma de enxaqueca, que se estabelece ao longo da vida, notadamente a partir da 5ª ou 6ª décadas, principalmente no sexo feminino, em pacientes que anteriormente sofriam com os sintomas de enxaqueca crônica – dor de cabeça intensa, pulsátil, exacerbada por estímulos sonoros e visuais, alimentos, cheiros, variações hormonais, estresse.

Com o tempo, as dores podem dar lugar simplesmente a uma sensação de tontura rotatória, desencadeada pelos mesmos gatilhos das crises de enxaqueca, provocando intenso desconforto, que pode durar de poucos minutos até 72 horas.

Vale salientar que, mesmo em faixas etárias mais jovens, há relato frequente de tontura associada a dor de cabeça tipo enxaqueca, uma vez que estes sintomas parecem compartilhar vias químicas de ativação no Sistema Nervoso. Curioso também é o fato de que muitas crianças desenvolvem enxaqueca tendo como primeiros sintomas tontura, dor abdominal e vômitos cíclicos, passando por várias consultas em Pediatria, sem que se chegue a uma conclusão. Anos depois, na adolescência, passam a ter dores de cabeça com padrão de enxaqueca.

 

Enxaqueca basilar

É uma forma de enxaqueca, que além de dor, principalmente na região posterior da cabeça, está associada a sintomas de disfunção ou mal funcionamento de estruturas do chamado “tronco cerebral”, produzindo dificuldades de articulação de fala, tontura, vertigem, instabilidade postural, zumbidos, visão dupla, perda de equilíbrio, incoordenação e até desmaios, podendo durar de 2 minutos até 1 hora.

 

Tontura Posicional Persistente Perceptual

É uma forma de tontura também caracterizada por sensação de cabeça “aérea ou pesada”, de estar flutuando, de instabilidade postural, e que ocorre predominantemente quando o paciente está de pé e vigilante – por este motivo também chamada de posicional e perceptual.

Costuma ser diária, durando várias horas, não acompanhada por náuseas ou vômitos de forma geral e desencadeada por estímulos sensoriais – visuais, situações de estresse emocional e pode ter como gatilho algum evento neurológico pregresso, como traumatismo cranioencefálico e mesmo um episódio de labirintite aguda. Há uma interface entre disfunção labiríntica e vias do das emoções no cérebro. Muitos pacientes já apresentam perfil de ansiedade e desordens psíquicas, que parecem exacerbar e manter os sintomas de tontura e desequilíbrio.

 

Doenças Vasculares

Doenças vasculares, de qualquer natureza, produzindo problemas de má circulação na região do tronco cerebral podem provocar sintomas como tontura intensa, vertigens, vômitos, visão dupla e até mesmo desmaios.

Condições como Síndrome do Roubo da Artéria Subclávia, em que o fluxo de sangue das artérias vertebrais, literalmente é desviado ou “roubado” para suprir a demanda de sangue um dos braços, seja por estreitamento ou obstrução por placas em artérias na transição do pescoço e braço, pode ter como consequência tontura, desmaios e colapso circulatório.
Outra situação é a tontura provocada por degeneração da coluna cervical em que esporões ósseos da artrose avançada comprimem as artérias vertebrais, diminuindo o fluxo de sangue para o tecido cerebral em determinadas condições, principalmente ao girar o pescoço – a chamada Síndrome de Bowhunter, assim descrita pelo fato de os sintomas surgirem quando o paciente assume a postura do “arqueiro” ao atirar. Em geral ocorre em faixas etárias mais avançadas. Acidentes vasculares cerebrais, de forma geral, nesta região são causas frequentes de tontura.

 

Doenças Neurodegenerativas e Infecciosas

Várias desordens infecciosas como Sífilis, infecções bacterianas com predileção de acometimento de estruturas na porção posterior do cérebro são causas de tontura, em geral de evolução mais aguda ou subaguda.

Doenças inflamatórias como a Esclerose Múltipla, que produzem placas de inflamação em vários pontos do Sistema Nervoso também são geradoras de tonturas e vertigens. Doenças genéticas e metabólicas raras, como as Ataxias Espino Cerebelares, acometendo estruturas como o cerebelo – responsável pela coordenação e equilíbrio, também produzem tais sintomas. Mais recentemente tem sido estudado o papel de distúrbios de movimento como a Doença de Parkinson e Parkinsonismo Atípico na gênese da tontura crônica, observando-se uma associação cada vez maior entre essas condições.

 

Condições Sistêmicas

Doenças vasculares crônicas, como Hipertensão Arterial, disfunções endocrinológicas produzidas pelo Diabetes Mellitus e Hipotireoidismo e uso de múltiplos medicamentos são causas bastante comuns de tontura crônica.

 

Doenças Estruturais

Neoplasias – tumores benignos ou malignos, localizados ou à distância, também podem produzir tonturas e vertigens. Neoplasias abdominais, ginecológicas, tumores do aparelho respiratório, tumores benignos e malignos do SNC e metástases são causas frequentes do sintoma.

É importante a realização de anamnese e exame físico detalhados, a fim de apontar da forma mais precisa possível o agente causador do desconforto.
O diagnóstico etiológico ou da causa pode ser desafiador e bastante difícil. Exames laboratoriais e de imagem como tomografia computadorizada, Ressonância Magnética, Doppler intra e extracraniano de vasos cerebrais e cervicais e exames neurofisiológicos como vectoeletronistagmografia podem se fazer necessários.

Portanto, a consulta ou avaliação com profissional experiente é fundamental para se chegar ao diagnóstico correto de forma precoce e segura, traçando o melhor caminho para a investigação e escolha terapêutica apropriada.

 

Figura – Doppler Transcraniano exibindo padrão de fluxo circulatório normal, em azul, de artérias vertebrais intracranianas, na junção entre crânio e pescoço, em paciente com queixa de tontura.

 

 

Por: Dr. Marcus Vitor Oliveira – CRM/SC 12512 | RQE 8844.

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