Continuum do Declínio Cognitivo no Idoso
A procura por atendimento médico especializado por conta de problemas ligados à memória vem se tornando cada vez mais frequente nos dias atuais, tanto pelo acesso e busca por maior informação relacionada, quanto pela maior prevalência de disfunção mental cognitiva com a mudança da pirâmide etária da população. A preocupação pela tentativa de antecipar um diagnóstico ou mesmo prevenir um quadro demencial são os principais motivos elencados durante a consulta ou entrevista, fato que gera angústia ou ansiedade entre pacientes e familiares.
É preciso esclarecer, em primeiro lugar, que boa parte das queixas de esquecimento não se relacionam a doenças neurodegenerativas. O declínio das funções mentais neurológicas pode estar associado ao processo de envelhecimento biológico natural ou mesmo a situações de ordem psíquica, metabólica ou mesmo infecciosa, podendo mesmo ser reversível a depender da causa etiológica. O processo de declínio cognitivo, portanto, pode ocorrer em etapas, caminhando realmente no sentido de se transformar a longo prazo em uma forma de demência ou mesmo estabilizar e até mesmo fazer o caminho inverso no sentido da normalidade.
Recentemente, médicos e pesquisadores que trabalham diretamente com problemas de ordem cognitiva resolveram criar uma forma de divisão em estágios para esta perda funcional de memória, que ocorre mais comumente na população geriátrica. Tal divisão foi criada a fim de se estabelecer mais facilmente em que nível o indivíduo se encontra, com o intuito de promover melhores estratégias de informação, prevenção e intervenção ou tratamento para estas condições. Este estadiamento ou classificação facilita a tomada de decisões e também fornece mais segurança ao médico assistente no cuidado destes pacientes, uma vez que o diagnóstico de muitas doenças neurodegenerativas como a Doença de Alzheimer, no primeiro momento, pode parecer incerto, visto que ainda não há marcadores ou exames específicos amplamente disponíveis para o diagnóstico desta condição. Com base nisto, estabeleceram-se as fases do declínio cognitivo ou Continuum do declínio cognitivo em três.
Fase 1
Também chamada de declínio cognitivo subjetivo. Uma das situações mais corriqueiras e que geram mais preocupações entre os pacientes quando vêm ao consultório. Em geral, estes pacientes vem sozinhos à consulta e reportam que estão ficando esquecidos há um determinado tempo – seis meses, um ou dois anos…no seu cotidiano conseguem desempenhar normalmente suas funções, sejam ligadas ao trabalho, ensino, compras, afazeres domésticos, deslocamento. Durante a entrevista, seus testes de rastreio cognitivo são normais. Seus exames laboratoriais podem estar normais ou trazer algumas alterações ligadas a doenças pré existentes como Hipertensão ou Diabetes. Seus exames de imagem cerebrais são geralmente normais. Esta fase está, portanto, ligada a uma percepção pessoal do indivíduo, sem nenhuma relação inicial com Demência. Ou seja, há algum declínio, porém, dentro da normalidade. Faz-se necessária intervenção para correção de algumas situações que podem estar piorando os sintomas e prescreve-se uma rotina periódica de reavaliação, apenas. Esta fase pode estabilizar ou mesmo reverter.
Fase 2
Também chamada de Comprometimento Cognitivo Leve. Normalmente, os pacientes já chegam acompanhados ao consultório, pois há percepção de pessoas próximas do seu entorno de que há um quadro de esquecimento não habitual para aquela pessoa. Novamente são aplicados testes ligados à cognição e memória durante a entrevista, os quais evidenciam alterações mostrando um declínio de desempenho que não seria esperado para aquela situação. São observadas, comumente, alterações em mais de um domínio da cognição, como memória e linguagem, por exemplo. Os exames de imagem cerebrais já costumam trazer alterações, embora não específicas, como algum grau de atrofia encefálica. Durante a entrevista, porém, relata-se que estes indivíduos ainda são plenamente capazes de exercer suas funções intelectuais no dia a dia, de forma independente. Portanto, ainda não se caracteriza um quadro de Demência, podendo mesmo tal situação ser revertida. Salienta-se, no entanto, que tal condição demanda maior observação e acompanhamento rigorosos, pois a taxa de conversão para Demência é da ordem de 10 a 12 % no período de um ano.
Fase 3
Esta é a fase de evolução franca para Demenciação ou de Demência. É o estágio no qual o paciente apresenta uma série de falhas nos mecanismos de memória e de cognição de uma forma geral, comprometendo suas atividades no dia a dia, não podendo mais exercer suas funções de forma independente. Exames de imagem estruturais e neurofuncionais como Spect cerebral ou PET – Tomografia por Emissão de Pósitrons, mostram-se alterados. Avaliações clínicas, como a Testagem Neurospicológica, mostram resultados compatíveis com Demência.
Interessante notar que à medida que o paciente avança nos estágios, seu insight ou percepção pessoal sobre a memória e funções mentais piora ou diminui. Ou seja, ele comumente passa a não perceber que sua memória está falhando, sendo tal situação reportada apenas por familiares ou pessoas do seu convívio. O indivíduo “esquece” que está esquecendo.
O uso da estratégia de divisão em estágios quanto à perda da memória costuma ser bastante eficaz no dia a dia, proporcionando segurança no seguimento clínico dos pacientes e na prestação de informações mais confiáveis aos familiares, gerando mais tranquilidade e conforto ao longo do acompanhamento. Importante é a complementação da avaliação ambulatorial com testes neuropsicológicos, quando necessário, e realização de exames laboratoriais e de neuroimagem que possam corroborar as hipóteses para aquela determinada situação.
Por: Dr. Marcus Vitor Oliveira – CRM/SC 12512 | RQE 8844.
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